
BRUXELAS


Um lugar para contar histórias



5 de Janeiro de 2015.
Primeiro dia útil após as festas do fim de ano. Uma segunda-feira de um verão tropical cujo dia nascia já trazendo calor.
Eu havia acordado mais cedo do que era meu costume, sem o som irritante do despertador que nos últimos anos tornou-se necessário para me acordar a tempo de perder tempo antes de seguir para o trabalho. Mas a partir daquele dia não iria mais.
Foram trinta anos de ação sob stress, em estado de alerta constante e a ter a todo tempo que desenvolver novas regras para que o serviço oferecido tivesse qualidade. Mesmo sendo a parte técnica apaixonante, tudo parecia pedir uma pausa, curta ou longa, mas uma necessária pausa.
Naquela manhã, eu olhei para trás no tempo e me senti bem com o trabalho realizado. Tinha planos para o futuro próximo que certamente não permitiriam que sentisse falta de uma rotina que já não era perfeitamente suportável.
Lembrei que nos últimos dois anos, sentava-me à borda da cama após o banho sem vontade de escolher a roupa que iria vestir. Lembrei também que a última função havia me causado aumento de peso por me tirar o tempo de uma atividade física. Então naquele momento não ter a necessidade de escolher uma roupa, permitir-me ficar de pijama e arquitetar os demais dias de minha vida, provocava uma sensação de nova de liberdade.
Sabia exatamente que o ponto de partida para essa nova mudança seria a viagem sonhada, de mochila, por alguns países da Europa. Comecei a ler sobre viagens e roteiros, em livros, revistas e internet até que algo chamou minha atenção. Havia um programa de trabalho nos vinhedos da Alemanha.
A colheita da uva ocorria no outono. A poda ocorria na primavera e seguiria a ramificar e frutificar por todo o verão, estando seus suculentos cachos maduros no outono a partir de setembro, sendo que a colheita se estendia até o mês de e novembro.
Não poderia esperar tanto para a primeira experiência, então decidi que primeiro iria visitar alguns lugares tão desejados e depois decidiria sobre o trabalho.
Iria na primavera. Ver as flores, rios, museus e arquitetura. Visitar a Holanda e Bélgica dos meus antepassados. E depois ir para Alemanha, Republica Tcheca, Austria, Hungria e Suiça. À França iria apenas no norte, na Alsacia, ver as plantações de uva e experimentar o Pinot Noir e o Pinot Griggio.
Os meses que sucederam foram de planos e arranjos para a grande viagem que iniciaria no dia dezesseis de abril.
O primeiro ano foi apenas de descobertas. Iniciei a viagem por Amsterdam. Foi uma boa escolha. Vi pela primeira vez a bela arquitetura preservada das fachadas medievais e centenas de canais e pontes que produzem uma paisagem delicada e bela. Escolhi a primavera para ver o espetáculo de cores das tulipas, narcisos e jacintos e me emocionei nos museus Van Gogh e Rijks Museum.
Fiquei somente quatro dias, mas iria voltar dois meses após para o retorno ao Brasil, então segui sem olhar para trás em direção a Brugges, na Bélgica. Viagem de trem e primeiras lições sobre estações, tabelas de horários, compras de tickets, bagagens e plataformas.
Brugge
21 de Abril de 2015
Cheguei a Brugges e instintivamente fui andando a pé da estação para a cidade e logo a encontrei com toda a sua beleza. Passava de meio dia e a cidade estava lotada de turistas. Tive dificuldade de achar o endereço do hotel, mas com a ajuda de um morador, cheguei ao Hotel Notre Dame que se encontrava fechado com um recado na porta. Pedia para ligar para o numero indicado. Eu não tinha um telefone habilitado, mas o gentil cavalheiro ligou e imediatamente veio a hostess atender e lá deixei minha bagagem, após fazer o cadastro, e fui ansiosa ver a cidade.
Arquitetura, história, arte, canais, chocolates, frutas vermelhas, rendas de bilros, outras rendas e artesanatos lindos, igrejas, torres e moinhos. Tanta beleza que embriaga. Tudo em uma pequena e delicada cidade. Em um hotel lindo e confortável onde dormi bem ignorando o frio que estava lá fora. Fiquei quatro dias neste lugar e segui com vontade de ficar. Fui para a Bruxelas.
Bruxelas
25 de Abril de 2015
Chovia naquele sábado em Bruxelas, ficaria mais um dia e iria embora na segunda para Düsseldorf, na Alemanha. Choveu o tempo todo e por sorte meu hotel estava próximo da estação e de muitas atrações importantes que percorri a pé andando por amplas avenidas com seu edifícios em Art Noveau, passando por teatros, igrejas, estátuas, inclusive o célebre Manneken Pis. Experimentei a batata belga com maionese e tomei uma única cerveja belga. Ganhei um energizante de cannabis do dono do Kiosqui que me deu um abração caloroso, assim como também recebi a atenção de senhorinhas no café Paul e de um senhor na frente da Eglise Saint-Joseph , que contou suas experiências quando trabalhava na Alemanha,
Dois dias voaram e pareceu que não conheci suficiente a cidade, aprendendo que dois dias não são suficientes para conhecer um lugar.
Lição 3: Dois dias são insuficientes para conhecer o mínimo de uma cidade.
Segui para Düsseldorf, de trem. Fui sem grande expectativa, mas lá vi pela primeira vez aquele que me fascinaria e me faria planejar toda uma viagem posterior para melhor conhecê-lo. Der Rhein. O lindo e maravilhoso Rio Reno.
Próximo post ” O Reno” , amor a primeira vista.


Estes são relatos que incluem pensamentos, preparações, aflições, ansiedades, descobertas, realizações, alegria e mais alegria de ter colocado em prática algo que almejava há algum tempo: Minha Primeira Viagem Solitária para a Europa. Eles estão apresentados no tempo verbal da época em que foram escritos, seguindo o critério cronológico para que eu não alterasse as impressões daquele momento, mesmo quando elas foram equivocadas.
Janeiro de 2015.
1.
Estou me preparando para uma viagem sozinha por alguns países da Europa. Vou com pouca bagagem, um mochilão, para facilitar as muitas entradas e saídas nos trens. Esta preparação inclui vários itens de diferentes qualidades começando por pesquisas sobre custos, hospedagens e atrações até estudos dos idiomas, seguros, câmbios e bagagem adequada. Isso tem tomado bastante do meu tempo, mas tempo agora é uma riqueza que eu possuo, uma vez que estou em licença-prêmio em um momento de pré-aposentadoria. Sim. Aposentadoria após trinta anos trabalhando na área criminal. Resolvi então me premiar com uma viagem digna de ser chamada “Minha Primeira Viagem Solitária”. Uma viagem profunda em minha própria companhia. Sem luxo, sem compras, sem conforto, mas com paisagens incríveis, campos de flores, artes, castelos, histórias, realidade e encantamento.
Meu destino inicial é Amsterdam. Quero muito ver os campos de tulipas. Quero ver se sinto algo ao estar no país dos meus antepassados. Tenho lido coisas relacionadas e terminei de ler o Diário de Anne Frank, mas estou sofrendo para terminar o filme disponível no YouTube, pois apesar da minha profissão, ainda sofro em demasia diante da maldade que só o ser humano é capaz.
2.
Estou estudando a bagagem. Sim estudando. Preciso levar o mínimo possível para carregar nas costas. Este mínimo tem que ter tudo o que vou precisar em dois meses, considerando que poderá haver uma variação de temperatura de 6 a 26 graus Celsius. Para isso pesei todo o tipo de roupa que levaria e a escolha final será a partir do menor peso. Sei que com todo esse cuidado ainda estou sujeita a erro uma vez que o tempo pode surpreender e me mostrar neve em abril ( eu adoraria, pois nunca vi a neve) e não levarei roupas assim tão quentes pois estarei quase no terceiro mês da primavera. Roupas quentes são pesadas, terei que arriscar e botar fé na normalidade.
3.
Estou com dúvida sobre o melhor roteiro. Minhas certezas são Amsterdã e Bruxelas. Os demais destinos estão ainda em suspenso em razão de escolhas baseadas em viagens de trem somente em horários diurnos. Havia pensado em Bruxelas – Colônia – Berlim, mas talvez mude para Bruxelas -Frankfurt- Wurzburg, iniciando a Rota Romântica. Tenho que encaixar Viena, Salzburg, Praga, Budapeste e Berlim e se der Zurique e depois voltar para Amsterdã para o voo de volta para casa.
16 de Abril de 2015
Despedida com foto no aeroporto. Cheia de alegria, entusiasmo e expectativa. Lá vou eu.
AMSTERDÃ
17 de Abril de 2015 – Aeroporto “Schiphol” Amsterdã, Holanda.
Errei feio na escolha da mochila e errei mais feio ainda em trazer um peso que não posso carregar.
Após longa viagem sem problemas, graças a Deus, com imigração em Lisboa, cheguei no Aeroporto de Amsterdã e percebi que eu não conseguia levantar a mochila para colocar nas costas. Não havia nenhum apoio para que eu pudesse suspendê-la e coloca-la nas costas. Carreguei pela alça os 15 Kg (ainda cometi o erro de trazer o guia e os dicionários) até a área externa do aeroporto. De imediato apareceu um rapaz perguntando se queria táxi. Eu disse que sim e ele pegou a mochila e foi andando para longe do aeroporto, então eu mudei de ideia e disse que não queria, pois não se tratava de táxi oficial e eu fiquei insegura. Ele largou de imediato minha mochila. Por sorte havia um carrinho por perto. Peguei o táxi da fila que me deixou na frente do hotel sem ao menos levar a bagagem até a entrada que tinha uma escada. E depois desta escada havia mais dois andares em caracol.
Minhas costas doíam e estirou um músculo da minha coxa direita.
Isso me deixou inquieta na busca de uma solução, não é possível deixar no “ locker”, não conheço ninguém aqui, não sei onde teria um carrinho para vender, pensei enquanto subia as escadas cujo nome fazia agora todo sentido. O correio talvez fosse uma solução se o preço fosse acessível.
No Fim das contas nem iniciei as viagens de trem e já quero desistir. Os hotéis são caros e sem conforto, eu pensava enquanto me espremia entre a cama e a parede do quarto.
Estou arrependida de ter vindo. Estou desanimada. Não tem Internet no meu quarto. Estou amedrontada. Preciso de consolo e de estímulo. Minha personalidade dramática encontrou o lugar certo para se manisfestar.
A solidão em um quarto pequeno, feio e caro é mais solitária, eu dizia para mim mesma enquanto ainda não havia olhado pela janela e ver o que me esperava.
Troquei de quarto no dia seguinte por um com banheiro. Melhorou um pouco.
O Hotel é uma linda casa com fachada medieval mas que fora modificada para que coubesse o maior numero de pessoas em suas acomodações. Situado em um rua super badalada de Amsterdam, perto de bares e restaurantes famosos, onde dia e noite há movimento de turistas alegres cujas risadas são ouvidas a qualquer hora em que se abra a janela. Mas eu fui dormir, pois o cansaço de muitas horas de viagem me venceu.
18 de Abril de 2015
Passei o dia andando pelas proximidades: fui até a “Dam”, tirei fotos, fui no Market, e comprei, em uma feira, um Quiche de alho poró e Croissants. Depois comprei “Florentines”. Primeiros novos sabores. Ensaiava o alemão aprendido nas aulas, mas o “dutch” escutado nas ruas entrava e saía dos meus ouvidos sem ser decodificado.
In the afternoon, something unpleasant happened . A tall man followed me to offer drugs and sex. He was very scary. Fiquei muito assustada e mudei meu rumo para me livrar dele e me perdi, mas depois me achei. Enquanto perdida encontrei o Mercado de Flores.
Com o coração ainda acelerado, voltei para o Hotel e escrevi para Maria Izabel contando o que aconteceu e o que eu estava sentindo. Um misto de primeiras descobertas e um pouco de medo, pois foi a primeira vez que alguém me oferecia drogas e sexo como se oferece bala no semáforo. Eu estava aterrorizada e confesso que chorei.
Fui até a Dam 26 para me informar sobre “Keukenhof Garden”, após entrei na Basílica de Saint Nickolas, rezei e Chorei um pouco. Sou dramática, lembram? Mas às 11:30 PM fui para o hotel e tudo passou. A expectativa do dia seguinte enchia meu pensamento de flores antes mesmo de ter chegado ao jardim.
Todo e qualquer medo, desespero ou mau pensamento desapareceu no dia seguinte.
19 de Abril de 2015
Fui ao Keukenhof Garden ver as tulipas. Não somente Tulipas, mas também Jacintos, Narcisos, e todas as mais lindas flores. Eu estava no paraíso. Tanta beleza, os cheiros e as cores dos jardins e bosques. Tudo o que eu gosto muito. No caminho da viagem de ônibus, as plantações mostravam listras simétricas coloridas, de rosa, roxo, amarelo, carmim, pareciam não findar. No Bosque, andei por 4 horas entre flores maravilhosas. Embora Sozinha, eu estava feliz e plena e totalmente acompanhada pelas criaturas mais lindas da Terra, as do reino vegetal. O Paraíso deve ser um lugar assim: lagos, flores, árvores pássaros e pessoas sorridentes, felizes, que flutuam e me pedem para bater suas fotos e eu com um sorriso nos lábios faço o meu melhor. Bati Foto de um Casal de alemães Idosos, de Meninas coreanas, e de outras muitas pessoas que estavam em pares. Aproveitei e falei uma frase em alemão, para ver se seria entendida, com um casal que sentou-se próximo da minha mesa, enquanto eu tomava um café
Voltei confiante e no mesmo dia comprei uma mala de rodinhas. Enfim a aflição da Bagagem estava resolvida.
Liçâo 1: A Bagagem é um item muito importante da viagem. Convém conhecer suas limitações e fazer a melhor escolha. Quanto mais leve for, mas liberdade para deslocamentos, quaisquer que sejam os meios de transporte.
Por causa da bagagem gastei 65 Euros (mais 10, que o taxista simplesmente adicionou por sua própria vontade), quando eu gastaria apenas 5,50 Euros em uma viagem rápida e tranquila de trem, cuja estação central estava bem próxima do Hotel que eu ficaria.
Dividi a Bagagem entre a mala e a Mochila e deixei a mochila em condições de ser carregada.
Neste dia, ainda, fui a três Pubs nas proximidades quando conversei com algumas pessoas , vindas dos Estados Unidos (Chicago), da Eslovênia, do Canadá e do México. Valeu por Isso e mais uns goles de Vodka e três doses de Stänhegger.
20 de Abril de 2015
Peguei o Tram (Bonde) Número 5 e fui para a Praça dos Museus ( Museumplein). É uma praça com grandes Museus de grandes artistas: Rembrandt, Van Gogh e Vermeer. Consegui Apenas ver Rembrandt naquele dia. Por causa do tamanho das filas. Não é um dos meus favoritos, mas sempre fico impactada diante de tanta perfeição em retratar pessoas e suas expressões. Mas depois, no fim da viagem voltaria a Amsterdam e veria Van Gogh, imperdível.
Almocei no Restaurante do museu: Ich habe kaltes Fleisch aus Holland mit Gemüse gegessen und ich habe Heineken getrunken. Continuava treinando meu alemão iniciante.
Aproveitei que estava naquele agradável praça, cheia de pessoas em volta do “I’ Amsterdam” e fui a uma Ótica, próxima dali, tentar consertar meus óculos de sol quebrados. Não havia conserto, então comprei novas armações que coubessem minhas lentes especiais, embora elas estivessem riscadas e engorduradas. Os óculos ficariam prontos em duas horas, tempo este que passei em frente ao Rijksmuseum. Naquele dia o lago artificial, em frente ao museu, ostentava os mais lindos vasos com Tulipas de todas as cores e combinação de cores. Sentei em um banco e um adorável homem holandês, cujo nome não registrei, sentou-se ao meu lado e conversamos muito, em inglês. As horas voaram e eu estava muito feliz por estar me comunicando em outro idioma.
Com o caso dos óculos solucionado voltei de Tram para a Estação de Trem, comprei tickets na máquina para Brugges, passei no McDonald’s comi um Mc Chicken e voltei para o Hotel para arrumar a bagagem.
Lição 2: Quem precisa de óculos com lentes especiais, precisa levar pelos menos dois deles.